Elas já foram adoradas por seus seios fartos e quadris
largos. Eram símbolo da fartura e da fertilidade. Apesar dos filmes antigos
mostrarem uma realeza com muita fartura, na verdade nem Dom João comia tão bem
assim. Os tempos antigos eram regados à
escassez. Sabe aquela imagem de mesas fartas e vários banquetes? Deleta! Deleta
meu bem e caia na real, comida era algo raro e em muita disputa. Os filhos do
cão ainda botavam os servos para produzir alimentos e estes ainda tinham que
pagar impostos. Mas chega de viagem histórica, porque nem historiadora eu sou e
tem muito livrinho aí disponível pra falar disso...
Voltando ao tema da nossa conversa de hoje. Vamos falar
dessa mulher de beleza singular. Estas eram muito admiradas, saca o ditado “em
terra de cego quem tem olho é rei”? Nessa vibe, em terra de esfomeados quem
come bem é rainha. Elas representavam um ideal, uma beleza, algo que ninguém
conseguia atingir, e temos uma fixação tamanha pelo sofrimento que achamos que
o amor tem que ter essa cota. Nos apaixonamos facilmente pelos “inalcançáveis”
porque achamos que o amor tem que ser sofrido. Quando a quantidade de alimentos
se tornou maior, pelo menos na minha análise (lembre-se, eu não sou
historiadora), as formas dessas belas mulheres deixou de ser a exceção e se
tornou a regra. Algo que era raro, se tornou comum. E pela lógica de sofrimento
do amor, não queremos o comum, queremos o extraordinário, ô forma de sermos
otários.
Penso que esse corpo deixou de ser desejado e passou a ser
rejeitado. Esse corpo foi contaminado. A comida se tornou um mal e uma
ferramenta de poder. De um lado os produtos fitness que nos dão a certeza de um
“caminho certo” e do outro lado estão as comidas do mal, as gordices. As
chamadas gordices se tornaram símbolo de um mal a ser eliminado, destruído.
Não é só um pensamento sobre alimentos ruins, mas sobre os
nossos corpos. Nós também nos tornamos ruins. Nós também somos lidas como algo
ruim, perigoso. Somos vistas como bombas-relógio prestes a explodir. Sobre nós
sempre tem o imperativo do verbo emagrecer, do substantivo dieta e do adjetivo
magra. Adjetivo que sempre usam para nos elogiar, como se a única coisa boa que
pudesse acontecer ao nosso corpo é o emagrecimento. Olham para nós na escolha
de time e não consideram que podem ser ágeis, que podemos ser habilidosas, já
nos descartam. Uma pessoa que eu tenho muita admiração foi chamada de lixo. Ela
pode não ter percebido na leitura rápida, mas fico pensando em quais outros
sentimentos a pessoa que falou dela dessa forma nutre por ela. É muito triste
pensar que nossos corpos são lidos como despejo de lixo. Então se você vai
amar, namorar, se apaixonar por uma mulher como eu, como nós mulheres da
renascença você vai ter que entender algumas coisas.
- . É difícil ter autoestima quando não se consegue comprar uma calça jeans.
- Não é fácil amar suas curvas e o formato do seu corpo quando milhares de programas de TV falam delas como anormalidade.
- Podemos não acolher bem as carícias porque nos dizem em todas as redes socais, outdoors, propagandas, lojas de roupas que quem merece carinho é quem tem barriga negativa.
- Somos resistentes a nos apaixonar, porque já tivemos o coração partido milhares de vezes por pessoas que a gente se abriu para amar e nos decepcionaram.
- A gente sabe diferenciar bem um elogio de uma crítica, no entanto de tanto ouvir que temos um rosto lindo e que o estraga é o resto, passamos a odiar o nosso corpo, a nos odiar.
- O padrão machuca, a beleza machuca, mas dói também as pessoas não nos verem, acharem que somos só um corpo, que somos depósito de porra. Que só servimos para o escuro, para o bêbado de fim de festa, para sermos piada ou aposta entre amigos/amigas.
- Ouvimos tanto falar que iremos morrer por conta do nosso peso, que é difícil ter esperança. Dormimos sem saber se vamos acordar, tamanho é o medo imposto sobre nós. A cada programa “Bem Estar”. A cada dica de saúde. A promoção da saúde nos vê como negligentes, como pessoas erradas, pessoas que não se amam, mas é difícil amar o que todo mundo odeia.
- Tem gente bem resolvida com o seu peso? Tem! E gente mal resolvida? Tem também. Gente que não tá nem aí? Também. Gente que tá doente? Sim. E gente que tá bem e gostosa? Sim, a deusa Fluvia Lacerda vai muito bem, obrigada. Somos diversas, não nos enquadre em um padrão, não nos reduza a um padrão. A gente não fala só sobre dieta e roupa plus size. Somos milhões de coisas, não somos só nosso peso. Chega junto, conversa com a gente, não nos rotule, não nos julgue. Quem vê peso não vê coração.
- Gorda é xingamento? Eu não sei. Pra mim não é algo de bom. Porque toda vez que se referiram a mim com esse adjetivo foi de uma forma ruim, então não me obrigue a aceitar isso como bom. Gordinha pra mim é de boas, mas isso é pra mim. Como está no número 8, não nos rotule. Nos chame pelo nome. Não nos use como referência. Não nos aponte na rua para seus filhos. Não fique nos olhando comer como se fossemos do zoológico. Não nos exotifiquem. Não nos animalizem.
- Não somos criaturas do passado, somos pessoas reais do tempo de hoje. E somos dignas de sermos adoradas hoje. Nos valorize, porque por mais que você tenha visto a bosta do filme “O amor é cego”, na real quem era cego era o mané do personagem do Jack Black por não perceber a mulher maravilhosa que ele tinha conhecido e não porque ela era gorda. Caiam na real, a gente é maravilhosa e não se contenta com migalhas.
Queria que meus textos tivessem muitos leitores para que as
pessoas pudessem acrescentar mais coisas, mas ele tá aí na net. Leiam, se
questionem e se der me questionem.
Encontrei alguém igual a mim nesse tempo favorável e tenho
percebido quanto é difícil para a gente se amar e ver o quanto somos felizes.
Esse texto não é muito para os outros é mais para mim. Para me alertar sobre os
padrões que me foram impostos, inclusive quanto aos meus afetos e sobre minhas
expectativas de “par ideal”. A gente foi
catequisado a almejar certos corpos e é tempo de descolonizarmos o amor. Vamos
nos esforçar para deixar o amor livre. Vivo.
Não é lá no tempo do renascimento que nós mulheres da
renascença devemos ser amadas, é hoje. Nosso corpo no estilo fast food merece
ser amado. Não é a bariátrica ou a dieta que seca barriga que me faz digna de
ser amada. Como disse uma amiga muito querida “não emagreça para ser amada”,
ela foi muito assertiva. Ninguém vai nos amar mais ou menos porque perdemos
peso ou outra coisas que pode ser medida ou calculada. Somos seres, e todo ser
é digno de amor. Então não vem com essa ditadura da beleza, da magreza, da
barriga negativa, ditadura do whey protein, da dieta, do corpo violão. Eu sou
violoncelo porra, muito mais elegante e mais gostoso de ser ouvido, muito mais
presente, mais erudito, mais sofisticado. Eu não sou comum rapá. Não me venha
com seus padrões porque pra amar eu sou livre.
Comentários
Texto delicado e denso ao mesmo tempo...Suas palavras são envolventes!
"Nosso corpo no estilo fast food merece ser amado..." rs
Que se explodam os padrões!!
Vamos nos amar independente da balança!!!
❤️