Testemunha

Estou sentada nesta cadeira, em um tribunal. Uma posição que nunca imaginei estar. Na realidade já me imaginei, mas como personagem de um filme americano, daqueles que tem advogadas de tailleur e homens de terno preto e com um rosto arrogante, com um juiz de toga e que toda hora bate o martelo e pede ordem enquanto os advogados berram: protesto! Este tribunal não se parece nada com o que imaginei e o que aconteceu não parece nada com o que imaginei que seria o fim dessa história.

Eu me mudei para o condomínio Florais do Sertão em 2010, fui uma das primeiras moradoras. Morava sozinha, mas com o tempo conheci todos os que iam se mudando para o condomínio. A Érica e o Gustavo se mudaram no final de 2010, recém casados. Lembro do dia da mudança deles, eles estavam tão sorridentes, dava pra ver que eles estavam  felizes. Logo fui fazer  amizade com eles, levei um pedaço de bolo, porque sei que todos os que se mudam não fazem almoço, pelo menos foi assim durante meus 30 anos de aluguel.

Eles sempre foram muito gentis comigo, o Gustavo quando viajava a trabalho sempre trazia uma lembrança para mim. Uma vez até fui em uma festa de família da Érica e conheci sua família toda. Sua mãe parece uma italiana, fala alto, gesticula muito e sempre tem um palavrão na ponta da língua. Seu pai é um gaiato, gosta de contar piada suja, e com ele não tem essa de politicamente correto. A Érica tem dois irmãos, na verdade tinha né, ainda não me acostumei com isso. O Daniel e o Olavo.

A família do Gustavo conheci de uma vez que eles fizeram um churrasco no condomínio, eles eram muito sérios e formais. Parecem gente rica de novela, cheia de não me toque. Até ajudei a Érica neste dia a arrumar as coisas, ela ficava falando que sua sogra era rígida, e gostava de reparar nos detalhes, e como ela amava muito o Gustavo ela não queria que nada desagradasse ele.

A gente era vizinho de porta, como eu moro sozinha, não faço muito barulho, e eles eram muito silenciosos. Não posso reclamar de nada referente à barulho, gritaria, música alta. Acho que eles nem ligavam a televisão, a Érica me disse que eles tinham ganhado de presente no casamento. Acho que eles ficavam lendo, eles tinham muitos livros, a Érica até me deu um de presente de aniversário no ano passado.Ele era uma benção, como sinto falta dela.

O Gustavo não parecia uma pessoa agressiva. A Érica ás vezes aparecia com manchas roxas no pescoço e nos braços, perguntei uma vez só porque não queria me meter na vida dela. Ela me disse que eles faziam umas coisas diferentes e às vezes machucava.

- Promotor: A senhora nunca tinha visto o blog da Érica?

Eu não tenho computador em casa, então só usava mesmo no trabalho para coisas do trabalho e o meu facebook. Só fiquei sabendo desse blog depois do que aconteceu e o Gilberto, filho da Edna do 302, mostrou pra mãe dele e ela me contou.

O Gustavo era um homem muito calmo, nunca imaginei que ele fosse fazer isso.

- Promotor: A senhora pode contar ao júri o que aconteceu naquela noite e o que a senhora viu quando entrou no apartamento da Érica e do Gustavo?

Posso sim. Então naquela noite eu tinha decidido ir à Igreja, sou presbiteriana. Me arrumei para ir ao culto, quando estava saindo, escutei a Érica brigar com o Gustavo, ela falava que não aceitava aquilo, que queria que ele morresse, que ela ia embora naquele mesmo dia. Eu não escutei o Gustavo falar nada, então fui para o culto e rezei por eles lá.

Quando cheguei o corredor estava com as luzes apagadas e quando acendi tinha sangue para todos os lados, no chão e nas paredes. Uma coisa pavorosa. Não sabia o que pensar. No nosso condomínio cada dois apartamentos tem um corredor, então só eu e eles podíamos entrar ali. Como eu moro sozinha, não tinha que me preocupar, então corri para o apartamento deles.

A porta estava entreaberta, quando entrei vi o Gustavo amarando o corpo da Érica em uma corda no teto, o corpo dela estava dilacerado. Parecia mais com uma peça de carne que com o corpo de uma pessoa. Ele tinha tirado a cabeça dela, acho que ele jogou no vaso.

Ele pegou todo o corpo dela e estraçalhou, quando o encontrei ele estava em transe, louco. Não acredito que ele fez isso com ela. Ela era tão linda. Tadinha da mãe dela, nem pode se despedir direito, o corpo dela era só um resto. Ele é um monstro, um monstro. Ele tem que pagar por isso que ele fez. Não sei porque ele fez isso, mas nada justifica o que ele fez. Ele é um demônio.

- Promotor: Se a senhora estivesse no júri, qual pena pediria para o réu?

Prisão para sempre, e jogar a chave fora, ele é um perigo, ele é um monstro, um troglodita.

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