Horizonte

A vi sair pelo vidro do parabrisa numa rapidez tão intensa que nem meu pensamento conseguiu distinguir o que era aquela bola vermelha que passava perto de mim. Eu precisava ir à lotérica pagar as contas do mês e resolvi ir na lotérica do shopping perto de casa. Eu dirijo muito bem, e como o shopping é perto de casa, não achei necessário perder tempo colocando a Yasmim na cadeirinha.
Perto do shopping tem um retorno, quando eu estava entrando na pista, do nada surgiu um caminhão que foi me arrastando, algo bateu na minha lateral, tudo começou a girar eu já não sabia o que era o chão, e o que era o céu. Eu só gritava pela Yasmim.
Quando acordei senti uma dor dilacerante na minha cabeça, tentei me levantar mas parecia que tinha algo de errado com as minhas pernas. Toquei minhas pernas num frenesi com medo de ter perdido os movimentos, elas estavam somente com gessos.
A enfermeira veio me ver, e ficou feliz por eu ter acordado. Eu perguntei por Yasmim, e ela pediu para que eu esperasse que ia chamar meu pai. Meu pai veio e me explicou o acidente, causado por um motorista de caminhão desatento e um jovem em outro carro em alta velocidade. Fui vítima da desatenção. Ele parecia rodear, fugir de algo que eu já tinha no meu coração e que ainda não tinha saído de sua boca. Eu pensava em perguntar, mas ele não queria dizer e eu tinha medo da resposta. Quando menos esperei ele introduziu o assunto mais difícil da minha vida: "filha eu preciso te contar uma coisa". As palavras introdutórias nunca foram tão duras e tão pouco tranquilizadoras como desta vez. E num suspiro de dor e medo ele me contou que aquela bola vermelha que voara pelo meu parabrisa era Yasmim. Que o bebê que esperei a vida toda pra ter, que meu corpo não gerou, mas que a vida deu para mim, já não estava mais nesse mundo para crescer, para me enlouquecer na adolescência, para reprovar na escola, para namorar, para ir para faculdade. Todos os sonhos que eu havia projetado para o meu bebê estavam acabados.
O sonho que eu alimentei durante tanto tempo escondido dentro de mim, e que tomara forma e vida com a chegada da Yasmim agora estava acabado. Por um momento das nossas vidas, uma desatenção o meu sonho foi roubado. Como se tivessem roubado coisas de pouco valor, assim foi aquele momento que minha vida perdeu o chão, o sentido, o gosto. Na roleta da vida, fui eu a sorteada, fui escolhida, azarada, amaldiçoada...
Não quero nenhum milagre, não espero mais por eles, meu milagre já aconteceu e morreu antes de florescer. Não tenho a máquina do futuro que possa me levar de volta aquele dia e me fazer escolher ficar em casa. Não posso mais escolher voltar atrás e deixar Yasmim aonde ela estava antes de mim, talvez ainda estivesse viva. Eu não posso, e na minha impotência só espero o fim dessa dor, ou ela acaba ou ela acaba comigo.

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