Perdi em Murici, não em Itabagi, não não em Bagé, não foi em Marília...Doutor eu não lembro mais onde foi. Sei que já não sou eu, acho que eu sou uma cadeira, isso eu sou uma cadeira!
E porque você acha que você é uma cadeira?
Ó doutô, quando eu nasci minha mãe não sorriu, ela se sentia culpada de ter traído a confiança do meu avô, por ter confiado no amor do meu pai. Ela não me queria, ela me via como um grande problema. Aí ela me deixava de lado; não brincava comigo; quando eu chorava me colocava no colo de um jeito truculento e depois me largava. Ela não brincava comigo, ela não me olhava nos olhos enquanto me amamentava; ela me deixava horas cheio de cocô.
Mas como você sabe disso com tantos detalhes?
Ah doutô ela me disse quando eu tinha 13 anos e ela me botou pra fora. E uma tia minha confirmou, tô louca hoje, mas disso eu não me esqueço.
Vou te dar um remedinho pra você começar a esquecer...
Pode me dar quantos você quiser, isso aqui não vai sair.
Sabe, eu sou uma cadeira, quer sentar aqui? Senta aqui? Enquanto ele se dirigia para o meu colo, meu pensamento se dirigia ao seu pescoço, a possibilidade de utilizar da minha "loucura" para matar. Eu sempre quis matar alguma coisa, ou alguém, mas sempre fui dócil demais, cuidadosa demais, precavida demais. Olho para os lados e sei que nenhum enfermeiro está vindo. Quando ele senta como uma presa indefesa eu abocanho seu pescoço com toda a minha força e deixo que ele se contorça de dor. Sua pernas saltitando me fazem ter mais furor, me fazem até gozar do prazer de me sentir senhora de alguma coisa. A loucura me tirou tudo, menos essa liberdade. Nossas alvas roupas já estão carmim do seu sangue. Meus olhos estão saltados das órbitas e sinto um frenesi que nunca havia sentido antes. Sinto que ele aos poucos para com o balé dos semi mortos e se entrega lentamente nas mãos do barqueiro para que sua alma flua pelo Hades. Os enfermeiros correm e tentam soltá-lo eu ainda reluto, pois sei que serão muitos dias de tranca. Mas como um animal saciado pela presa eu estou tão plena que somente quatro injeções do mata leão me fazem soltá-lo. Acordo com a dor do choque elétrico. Nessa dose não há nada de terapêutico, sinto que me juntarei naquele barco rumo aos infernos.
Porque você fez isso? Estava disposto a ajudá-la a sair.
Você não entende, não é do seu lado que a tranca fecha toda noite, não é nos teus lábios que a lucidez é sentenciada pelos comprimidos do dia, não é nos teus orifícios que se investem com todos os paus, porretes, arames, por uma mera satisfação. Agora bota esse choque aqui doutor. E apontando para sua vagina pedia que o doutor a eletrocutasse.
Dá-me um choque nesse útero para que eu não reproduza mais, os filhos que gerei me colocaram aqui. Os meus peitos caíram por amor esses desgraçados e por causa deles estou aqui. Nesse momento ela variava, nunca tivera filhos, foi examinada ao chegar na clínica e foi detectada a sua virgindade. Não era uma virgindade imaculada, mas era a preservação total de seu clitóris. Ela fora uma pessoa brilhante antes dali, não se sabe exatamente onde o fio da vida se rompeu, mas seu doutorado não conseguiu a preservar da sua loucura.
E os choques continuavam. A raiva de preencher tantos formulários fez com que o enfermeiro aumentasse a dose. Ele queria fritar seu cérebro, como estavam os pastéis que foram abandonados quentinhos quando tiveram que correr para separa-la do outro interno.
Ela parecia brincar com a morte, sempre pedindo mais. Os enfermeiros enfurecidos aumentavam a carga e diminuíam o espaço entre as os choques.
Ela havia tentado de tudo para sair daquele lugar. Mas um surto causado por stress no meio da reunião do G7 foi testemunhado por muitos e por mais que ela fosse especialista em geoeconomia, a melhor do mundo; seu chilique precisava de um corretivo. Então foi aprisionada e esquecida. Ela já estava sã, e sem o surto tudo aquilo parecia pior. Ela se culpava, mas ao mesmo tempo se desculpava. Queria sua vida de volta e faria qualquer ato para isso.
A morte inventada era um pretexto, uma forma de fazer com que a leoa adormecida pudesse sair para caçar. Abocanhou sua presa como uma leoa enfurecida, como sua vida dependesse daquela morte. Era sua forma de se tornar livre da prisão, porque sabia que ninguém a poderia prender após a morte, a vida a levaria aos Campos Elysios tão sonhados, à Colônia, à Aruanda...ao céu.
Uma história sem muito enredo assim foi sua história e assim foi seu final. Apesar de não ter sido sua morte, aqueles choques fritaram a sua liberdade, seus pensamentos. E antes da segunda consulta com seu terapeuta sua vida foi limada da terra dos pensantes. E se tornou a cadeira que sua mãe pariu.
E porque você acha que você é uma cadeira?
Ó doutô, quando eu nasci minha mãe não sorriu, ela se sentia culpada de ter traído a confiança do meu avô, por ter confiado no amor do meu pai. Ela não me queria, ela me via como um grande problema. Aí ela me deixava de lado; não brincava comigo; quando eu chorava me colocava no colo de um jeito truculento e depois me largava. Ela não brincava comigo, ela não me olhava nos olhos enquanto me amamentava; ela me deixava horas cheio de cocô.
Mas como você sabe disso com tantos detalhes?
Ah doutô ela me disse quando eu tinha 13 anos e ela me botou pra fora. E uma tia minha confirmou, tô louca hoje, mas disso eu não me esqueço.
Vou te dar um remedinho pra você começar a esquecer...
Pode me dar quantos você quiser, isso aqui não vai sair.
Sabe, eu sou uma cadeira, quer sentar aqui? Senta aqui? Enquanto ele se dirigia para o meu colo, meu pensamento se dirigia ao seu pescoço, a possibilidade de utilizar da minha "loucura" para matar. Eu sempre quis matar alguma coisa, ou alguém, mas sempre fui dócil demais, cuidadosa demais, precavida demais. Olho para os lados e sei que nenhum enfermeiro está vindo. Quando ele senta como uma presa indefesa eu abocanho seu pescoço com toda a minha força e deixo que ele se contorça de dor. Sua pernas saltitando me fazem ter mais furor, me fazem até gozar do prazer de me sentir senhora de alguma coisa. A loucura me tirou tudo, menos essa liberdade. Nossas alvas roupas já estão carmim do seu sangue. Meus olhos estão saltados das órbitas e sinto um frenesi que nunca havia sentido antes. Sinto que ele aos poucos para com o balé dos semi mortos e se entrega lentamente nas mãos do barqueiro para que sua alma flua pelo Hades. Os enfermeiros correm e tentam soltá-lo eu ainda reluto, pois sei que serão muitos dias de tranca. Mas como um animal saciado pela presa eu estou tão plena que somente quatro injeções do mata leão me fazem soltá-lo. Acordo com a dor do choque elétrico. Nessa dose não há nada de terapêutico, sinto que me juntarei naquele barco rumo aos infernos.
Porque você fez isso? Estava disposto a ajudá-la a sair.
Você não entende, não é do seu lado que a tranca fecha toda noite, não é nos teus lábios que a lucidez é sentenciada pelos comprimidos do dia, não é nos teus orifícios que se investem com todos os paus, porretes, arames, por uma mera satisfação. Agora bota esse choque aqui doutor. E apontando para sua vagina pedia que o doutor a eletrocutasse.
Dá-me um choque nesse útero para que eu não reproduza mais, os filhos que gerei me colocaram aqui. Os meus peitos caíram por amor esses desgraçados e por causa deles estou aqui. Nesse momento ela variava, nunca tivera filhos, foi examinada ao chegar na clínica e foi detectada a sua virgindade. Não era uma virgindade imaculada, mas era a preservação total de seu clitóris. Ela fora uma pessoa brilhante antes dali, não se sabe exatamente onde o fio da vida se rompeu, mas seu doutorado não conseguiu a preservar da sua loucura.
E os choques continuavam. A raiva de preencher tantos formulários fez com que o enfermeiro aumentasse a dose. Ele queria fritar seu cérebro, como estavam os pastéis que foram abandonados quentinhos quando tiveram que correr para separa-la do outro interno.
Ela parecia brincar com a morte, sempre pedindo mais. Os enfermeiros enfurecidos aumentavam a carga e diminuíam o espaço entre as os choques.
Ela havia tentado de tudo para sair daquele lugar. Mas um surto causado por stress no meio da reunião do G7 foi testemunhado por muitos e por mais que ela fosse especialista em geoeconomia, a melhor do mundo; seu chilique precisava de um corretivo. Então foi aprisionada e esquecida. Ela já estava sã, e sem o surto tudo aquilo parecia pior. Ela se culpava, mas ao mesmo tempo se desculpava. Queria sua vida de volta e faria qualquer ato para isso.
A morte inventada era um pretexto, uma forma de fazer com que a leoa adormecida pudesse sair para caçar. Abocanhou sua presa como uma leoa enfurecida, como sua vida dependesse daquela morte. Era sua forma de se tornar livre da prisão, porque sabia que ninguém a poderia prender após a morte, a vida a levaria aos Campos Elysios tão sonhados, à Colônia, à Aruanda...ao céu.
Uma história sem muito enredo assim foi sua história e assim foi seu final. Apesar de não ter sido sua morte, aqueles choques fritaram a sua liberdade, seus pensamentos. E antes da segunda consulta com seu terapeuta sua vida foi limada da terra dos pensantes. E se tornou a cadeira que sua mãe pariu.
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