Minha mulher maravilha

Minha mulher maravilha tinha super poderes. Ela se transformava em homem, mulher refinada, velho, guerreiro. Geralmente se dava em quinze em quinze dias, mas às vezes espaçava. Essa transformação da minha heroína não precisava de cabine telefônica, era um simples ato de fé. Ela se lançava para o Orum e se abria ao extraordinário.

A história da minha heroína não começou com seus poderes, mas muito antes. Ela não tinha uma história, não tinha um nome, inventou tudo. Nasceu em Gameleira, uma espécie de distrito de Feira de Santana na Bahia. Das poucas histórias que ela deixou, sabemos que sua família vivia da agricultura. A mãe era a mantenedora da família e o pai morava a léguas de distância. Ela veio com um tio para Goiânia, em circunstancias que ela nunca explicou, mas somente contou que certa vez sua mãe veio lhe buscar e ela arrogante como era, lhe disse: “se veio para me buscar para me levar pra roça, o mesmo caminho que veio é o que volta”. Essa foi a última vez que viu sua mãe. Disse-nos que viveu um tempo no convento das “freiras pretas” e depois veio para Brasília.

Após refletir sobre o filme “Anjos do Sol” me pergunto o que aconteceu na história verdadeira da minha heroína, qual passado sombrio ela viveu que precisou reinventar sua história e seu nome, porque ela não tinha registro, foi ao cartório e seu deu um nome. Muitas pessoas podem ter vivido algo tão difícil que precisaram inventar uma história para explicar como chegaram ali. Deixando um passado na conta do esquecimento. Mas os mortos não falam, e se ela não quis em vida nos deixar sua história, não será em uma experiência mediúnica que ele virá à tona.

Minha heroína não será personagem de nenhuma novela, não sairá um filme em sua homenagem, não terá um prêmio com seu nome, suas dádivas não serão contadas em um livro. Para isso eu só posso homenageá-la tecendo na minha carne, na minha vida a homenagem que ela merece e que eu posso dar.


Minha rainha é Analdina Maria de Jesus, conhecida como Dona Baiana, fumo de Xangô, filha de Xangô e Iansã, nascida em 1937 (segundo o que ela nos disse) e falecida em 2011. 

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