Chá de canela (parte 1)



Chá de canela










- Nossa que cheiro de canela, você tá fazendo o que de bom?
- Tô fazendo um chá.
- Chá de canela?
- É. Qual o problema?
- Ui. Nenhum problema majestade. É que eu tava lendo naquele grupo engraçado Ponte para Chernobyl que as pessoas acham que ele é abortivo, mas na verdade só dá uma acelerada no fluxo menstrual
- Você tem certeza disso?

(Ela me olhou com os olhos muito arregalados, tinha um ar de desespero naquele olhar. Seus olhos pediam ajuda, mas naquele momento eu ainda não sabia porque)

- Certeza não, vi isso no facebook. Isso não é fonte de informação né.
- É mesmo
- Mas não entendi porque desse chá. Você nunca gostou de canela. Quando eu pedia pizza de banana você dizia que tinha vontade de vomitar por causa da canela. E agora tá fazendo chá de canela. Parece que o jogo virou né? (risos)
- É virou. Você olha aqui pra mim enquanto eu tomo banho?
 - Olho sim

(Ela foi para o banho e eu fiquei olhando o chá tentando tirar a pulga atrás da minha orelha, porque ela não fazia o menor sentido)

- Toma aqui seu chá, toma quentinho que deve ser mais gostoso.
- Obrigada
- Você vai hoje ver a sua mãe
- Vou. Ela não tá consciente, mas o médico dela disse que pode ser a qualquer momento
- O Henrique tá cuidando das coisas?
- Você diz velório, enterro?
- Sim
- Tá sim. Ele já cuidou disso quando a vó Dite morreu. Ele me disse que como já tem um tempinho elas podem ficar na mesma cova.
- Que coisa né, nunca se deram bem, agora vão passar o resto da vida junto
-  É, na morte a gente não escolhe nem a roupa que a gente vai usar. Muito menos onde a gente vai ser enterrado.
- Mas sua mãe ainda tá viva, não vamos ficar falando disso. Toma o seu chá.
- Você pode me deixar lá no hospital?
- Posso, claro. É caminho pro trabalho. E por falar em trabalho, você já avisou no seu?
- Que bom que você me lembrou, vou mandar mensagem aqui no grupo do whatsapp
- Bem formal a senhora
- Sim. Quase britânica (risos)

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- Pronto. Chegamos. Se acontecer, me liga que eu venho ficar com você. Não quero te deixar sozinha nesse momento.
- Obrigada amor

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- Elizabete. Que bom que você chegou. Preciso conversar com você
- Oi doutor Márcio, pode falar.
- Vamos ali naquela sala. Queria chamar também a Vanessa, que é psicóloga do hospital, você permite.
- Prazer Vanessa, permito sim.
- Elizabete eu te chamei nessa sala porque sua mãe já estava em processo ativo de morte devido ao câncer terminal. E como não haviam chances de cura, e ela já havia feito declaração para não manter a vida dela a qualquer custo, o processo natural se instalou essa manhã, e faz poucos minutos que sua mãe deixou de viver. Houve uma parada cardíaca, não a reanimamos e ela faleceu sem dor.
- Elizabete, estou aqui para que eu possa ajudar você nesse momento e me coloca a disposição para o que você precisar.
- Eu preciso avisar o Henrique. Já tiraram o corpo dela do quarto?
- Não. Ainda está no quarto. Sabíamos que você vinha, então esperamos você chegar para atestarmos o óbito e redigirmos os documentos necessários.
- Quero ver a minha mãe.
- Pode ver. A Vanessa vai te acompanhar. Quero te dizer que você foi uma companhia maravilhosa para a sua mãe nesse processo e que ela foi bem assistida, não sofreu, não sentiu dor, e que você fez tudo o que podia e nós também da equipe para o bem estar dela.
 - Sim. Você foram maravilhosos, não tenho do que reclamar.
- Quando você entrar no quarto, queria te pedir para usar luvas e máscara. Ela pode dar uns espasmos, mas isso é uma questão natural do corpo.
- Ok.
- Vou só mandar uma mensagem avisando o Henrique e a Natália.

(Ela pegou seu celular e mandou mensagem para o irmão e para a esposa, avisando que o coração da sua mãe não pulsava mais, que a alma já havia deixado o corpo e que os procedimentos fúnebres já podiam ser iniciados)

- Mãe. Você foi embora, não imaginava que fosse agora. Sua saúde sempre foi frágil, mas esse câncer todo me pegou de surpresa. Você sempre enganou a morte. Lembro de que você contava a história daquele acidente de ônibus, da facada na escola, do tiroteio na avenida Brasil e eu te imaginava com a roupa da mulher gato, porque só assim pra ter sete vidas. Agora você morreu, será que foi pro céu? Lembra do que você me pediu quando a gente soube das metástases? Você me pediu não, você me fez prometer que eu te daria um neto, não importasse os meios. Você sabia que a Natália não queria filhos, que ela nunca quis ser uma pseudo família hétero e que isso pra ela era muito importante, e que era importante pra mim também. Mas naquela situação que você estava, eu decidi cumprir sua vontade. Você sabe que eu não tenho grana, então fiz tudo do jeito tradicional. Baixei o tinder, transei sem camisinha e agora tô aqui, grávida. Mas quando você perdeu a consciência eu percebi que eu não precisava te agradar então decidi abortar. Quero tirar essa criança de mim e tirar você de mim pra sempre. Você foi uma péssima mãe. Uma mãe bem ridícula, motivo da minha psicoterapia e das minhas análises. E você usou da sua doença para me pressionar. Eu caí. Mas agora chega sua maldita dos infernos. Inferno é onde você deve estar agora e espero que o diabo queime a sua bunda sua miserável

- Calma Elizabete

(Vanessa segurou Elizabete que começava a golpear o corpo inerte da sua mãe. Elizabete olhou para Vanessa com olhos enraivecidos)

- Calma? O que você quer aqui comigo sua desgraçada. Eu não pedi sua ajuda. Eu não quero sua companhia. Quero dizer pra essa miserável as coisas que estão entaladas na minha garganta nesses meus 35 anos. Essa mulher me fez tão mal. Ela me batia porque eu não queria me maquiar e colocar as porras das roupas rosas que ela comprava. Ela me obrigava a brincar de barbie quando eu queria ler Harry Potter. Ela me obrigou a namorar e noivar com um homem, mesmo sabendo que eu sempre fui e sempre serei lésbica, caminhão. Tá ouvindo mamãe (disse com sarcasmo) sua filha é sapatão, SA-PA-TÃO. Esse monstro deixou que meu padrasto me estuprasse para que eu pudesse ser “mulher de verdade”. Você acha que foi só uma vez? Foi toda a minha adolescência. Ele só parou quando morreu, se não ele ia estar em cima de mim até hoje. Ela nunca se conformou com o que eu sou. E eu sempre me movi pela culpa que ela colocou em mim, adicionada pela culpa que a igreja colocou. E eu cuidei dessa desgraçada por causa da culpa também. Foi a culpa que me fez cuidar dessa miserável, dessa filha da puta, dessa coisa ruim.
- Você já procurou ajuda profissional?
- Você tá brincando né? Eu já fui em milhares de profissionais para me livrar dessa maldita e agora eu consegui. Bendito câncer que leva as desgraçadas para o inferno.

(Nesse momento Henrique entra no quarto)

- Elizabete.
- Oi irmão. Ela morreu
(Ele tocou no corpo frio e sem vida de sua mãe e chorou copiosamente)
- Mamãe, eu te amo. Vou sentir muito a sua falta.
- Vai ficar tudo bem Henrique. Agora ela está num lugar em que não há dor, não há sofrimento, não há câncer.
- Elizabete o médico já fez o atestado de óbito?
- Ainda não. Esperou que eu chegasse. Ela morreu uns minutos antes de eu chegar hoje pela manhã.
- Você pode chamar o médico? (disse isso para Vanessa)
- Posso sim, já volto

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O médico atestou o óbito, o velório e enterro aconteceram sem surpresas ou grandes emoções.

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- Você quer comer alguma coisa amor?
- Não estou sem fome. Se quiser pedir pra você tá tudo bem.
- Acho que vou pedir um macarrão no ifood

(Elizabete desliga a televisão)

- Quero conversar com você algo muito complexo.
- É sobre a sua mãe?
- Também.
- O que foi?
-  Sabe o chá de canela que eu fiz no dia que minha mãe morreu?
- Sei. Foi bem estranho te ver beber aquilo.
- Eu queria fazer um aborto.
- Aborto? Oi?
- É. Isso mesmo, um aborto.
- Mas como você engravidou? Do divino espírito santo? Ele sai engravidando sapatão agora?
- Não foi o divino, nem foi divino, nem foi bom, foi um cara qualquer que conheci no tinder.
- Que loucura Elizabete. Isso só pode ser trauma da morte da sua mãe. O enterro foi hoje e você deve estar traumatizada, e por isso tá inventando isso. Isso não pode ser verdade.
- Natália. Olha isso aqui. Tá vendo esse nome? É o meu. Tá vendo isso aqui? É o bebê
 - Não acredito que você me traiu assim. Não acredito mesmo. Com um homem? E ainda engravida dessa porra?
- Eu queria te pedir perdão, mas acho que não tem nem como te pedir isso. Acho que não posso te pedir nada.
- Realmente, você não pode me pedir nada. Como você pôde fazer isso comigo? Como pôde fazer isso com a gente?
- Foi minha mãe
- Sua mãe te engravidou?
- Não. Ela me fez prometer que eu daria um neto pra ela antes dela morrer
- What? Tua mãe, que sempre foi horrível pra você, e tu faz um filho com um desconhecido pra agradá-la?
- Eu não sei o que aconteceu comigo. Ela me pediu isso quando a gente soube das metástases e que ela morreria em pouco tempo.
- E porque você não só fingiu que estava grávida. Porque não mentiu pra ela. A grávida de Taubaté enganou todo mundo e você não consegue mentir pra sua mãe?
- Acho que de alguma forma eu também queria ter um bebê. Alguma coisa dentro de mim.
- Alguma coisa dentro de você? Deve ter sido a rola de quem te comeu
- Você tem todo o direito a ficar nervosa
- Eu tenho mesmo sua puta safada. Você traiu e ainda engravidou. Sua mãe é só uma desculpa. Você foi uma tremenda sacana. Quero que saia da minha casa
- Mas eu vou pra onde?
- Não quero saber. Não tenho nada mais a ver com você. Quero você fora da minha casa.
- Por favor. Me dá um tempo pra eu me ajeitar. Você sabe que eu não tenho ninguém. Você sabe disso.
- Pode ficar, mas vai tirar todas as coisas do nosso quarto, nosso não, não existe mais nós, do meu quarto e vai dormir na sala.


(Eu não pensei que nesse dia tão difícil terminaria assim. Mesmo uma mãe que você odeia, enterrá-la é muito difícil. É chato é demorado. O velório não pode ser rápido demais, o caixão não pode ser o mais barato, precisa ter coroa de flores, até a funerária não pode ser a mais barata. Foi duro fingir tudo isso. O bom é que eu tenho esses dias no trabalho. Dias de folga, que eu não posso viajar, não posso ser vista na piscina, no shopping, eu preciso estar de luto nas redes sociais. Uma etiqueta fúnebre sufocante. E agora meu casamento acabou. Natália não quer saber de mim. Mas eu a traí. De forma muito pesada. Porque eu fiz isso? E agora essa criança? Vou ter que dar um jeito de abortar.)


(Os dias se passaram e Natália voltou a falar com Elizabete, com menos raiva. A gravidez continuou e a barriga despontou. Natália sentiu ternura por Elizabete, conseguiu entender a contradição interna da ex esposa, mas não perdoou a traição)



Comentários

Janice Aliena disse…
Olá! Que trabalho milagroso de grande Amiso, eu sou Benjamin Dan, minha esposa me deixou porque tenho câncer no corpo, então enviei um email para o Dr.Amiso e explico tudo para ele, ele cura a doença e devolve minha esposa de volta para mim. , eu também disse ao meu amigo David, que sua esposa estava se divorciando em três dias, ele também entrou em contato com o Dr.Amiso, reteve e viu sua esposa ligar para o advogado 2 dias antes do terceiro dia de assinar o documento de divórcio e disse que ela era Para não se divorciar do marido novamente, ele deve parar e ler todos os documentos sobre a questão do divórcio, acredite: agora eles estão vivendo felizes como nunca antes. caso você esteja passando por um problema conjugal, entre em contato com Dr.Amiso pelo herbalisthome01@gmail.com