Uma carta para os frades franciscanos conventuais e à minha antiga paróquia

 Uma reflexão que demorou pra acontecer em mim chegou hoje pela manhã e fez morada no meu coração. Demorou pra que eu tivesse essa visão porque estava toxicamente apaixonada por algo muito equivocado. Com a morte de alguns contemporâneos de igreja para vícios em drogas ilícitas e lícitas percebi o quanto o meu pecado de ser sapatão era pequeno diante de tanta coisa que as pessoas enfrentavam. Eu lutava para refrear o que eu entendia como um "espinho na carne", me identificava com Paulo por isso. Mas olhando pra trás e me perdoando também, claro, só posso lembrar da adolescente e jovem de igreja que fui, sempre lutando pra dar o meu melhor. 

Dentre as minha lutas e vontades de fazer algo para Deus estava o lavar a igreja. Não era minha obrigação, mas era um compromisso que assumi para deixar a casa que Deus estava limpa. Me doía ver o chão tão podre de sujo. O barro depois da chuva também me entristecia. Tinha escala das bandas e grupos e eu estava lá todo sábado para ajudar a limpar. 

Voltar a esse passado é um pouco doloroso, porque lembro dos olhares e das vezes que me senti expulsa da lavagem da igreja. Um lugar que ninguém queria estar, mas que ninguém queria que eu estivesse também. Lembro agora com mais nitidez do que antes o quanto me tratavam como uma invasora, alguém que está se metendo, fazendo o que não devia, uma enxerida. 

É triste olhar pra trás e ver o quão trouxa eu fui

Acredito que essa lembrança veio pra curar isso que ficou lá no passado, não revisado, mas marcando o que eu sou. Porque eu busquei também o altruísmo como forma de aceitação, mas hoje percebo que não importa o quão atruísta você seja se as pessoas odeiam você, sua história, tem nojo de você, da sua casa. Eu demorei pra entender que a neta da macumbeira não seria acolhida na igreja, demorou pra cair a ficha de que era impossível para esse povo entender que uma adolescente estava procurando um lugar para ser amada e acolhida. Um lugar em que minhas ações não virassem pau de santo. Mas fui para um lugar em que minhas ações e pensamentos seriam motivo de julgamento, e minha história seria usada contra mim. Fui pra um lugar que eu já chegava pra jogar com jogo perdido e com uma esperança de vitória bem idiota. 

E porque escrevo esse texto para os franciscanos conventuais? Escrevo porque eles eram os adultos alí, eles eram os experientes. Eram pessoas que eu via como referência, mas que me tratavam pior que os rodos quebrados da paróquia. Eles me viam todos os sábados, muitas vezes sozinha lavando a igreja e NUNCA eles foram lá me ajudar. Eles ficavam nos seus pequenos tronos da arrogância e da autoidolatria, mas eram incapazes de calçar as havaianas para me ajudar a lavar a igreja no qual eles iriam protagonizar seus shows. Eles também foram incapazes de me acolher além da confissão, eles só me usavam como todos da paróquia para os fins que eram bons para eles. 

Lembro bem dos encontros Renascer, quantas vezes estava lá para limpar privadas e recolher o lixo. E fazia isso lá e não fazia em casa. Era sempre a Dandara da equipe da limpeza, para limpar o lixo deles, enquanto eu não podia estar com eles nos momentos de divertimento, dos lanches depois da missa, das festas na casa do Jadson. Excluída de dentro. E mendigando sempre esse espaço

Não escrevo esse texto como uma carta suicída, não me entenda assim. É só um desejo de elaborar esse sentimento que tava preso e agora pulou pra fora. É uma vontade de gritar para essa CHA-CO-TA que são esses padres de imitação de São Francisco. Falar da piada que é uma paróquia. Da piada que me tornei para mim mesma.

Quando fui para o Shalom fiquei deslocada, porque lá não tinha igreja pra lavar. Fui pro grupo das crianças querendo ser útil, mas aquele espaço me dava medo. 

Eu não quero dizer aqui que eu merecia ser amada, acolhida, estar com a galera nos lugares. Eu só acho que eu merecia a verdade. Vejo que quanto mais envelheço, mais os espaços são formados por pessoas dissimuladas e mentirosas. A gente vai ter que conviver em sociedade, mas poderia ser com mais verdade. A verdade é amor também. Não precisa dissimular um acolhimento, carinho e todas essas porras. É só deixar a verdade evidenciada. Tipo, tu é sapatão, aqui não rola pra você; ou tu mora na macumba é neta de macumbeira tu pode ter espaço nisso aqui.

A Igreja é um espaço de muita violência e devido a falta de amor e cuidado dentro das famílias não indico que seus filhos vão para acampamentos, vigílias, grupos jovens, arenas. Se você não está disposto a auxiliar o seu filho a amadurecer e entender os limites daquele lugar, sem paixões e sem exageros o melhor é que ele esteja no baile funk e na droga mesmo. É melhor estar drogado e em risco de ser preso e morto do que estar em igrejas que aprisionam nossa mente, negligenciam nossas dores, nos usam e nos objetificam somente para inflar o ego de padres, pastores, lideranças e "influencers" de paróquia.

Comentários