Nossos umbigos

 Minha avó não enterrou nossos umbigos 

Ela guardou numa mala

Talvez porque entendia a transitoriedade de nossas vidas 

Ou porque sabia que nos espalharíamos do norte ao sul do país 

Ou talvez não fosse costume mesmo

Nossos umbigos ficaram na mala que ficava embaixo da cama

Pode ter sido um aviso, um presságio que devíamos ir mundo afora 

E fomos

Uma para o norte, outro no sul e eu me desloquei para o centro 

A gente se partiu em três 

Os três frutos de minha mãe estão partidos em três estados

Nós que dividimos sonhos, pequenas mentiras e poucas aventuras agora dividimos as dores da vida adulta sem amparo

A ausência de minha avó após 10 anos de sua partida ainda nos deixa saudosos

Ela partiu mas continua conosco

O seu corpo desceu à terra, apodreceu e encaveirou, mas ela continua viva

As memórias dela incorporadas ainda são vivas 

Minha mãe deixou suas marcas, meu umbigo é a marca das suas entranhas

Nossos rostos são testemunhas que somos filhos da Karla

A neguinha criou três filhos para o mundo 

Somos sementes que deram frutos de acordo com as vivências, experiências e dores

Uns podem provar dos nossos doces frutos e outros podem morrer com o nosso veneno

Somos perigosos errantes, filhos de uma velha magia, netos de uma mulher poderosa

Somos mais fortes do que nossas dores e podemos provar isso nas nossas vidas

A mala se perdeu após a partida de minha vó

Mas é como se ela ainda estivesse debaixo da minha cama

Como se seus segredos 

A bolsinha vermelha que ia na bolsa de minha avó que guardava segredos ainda estivesse em minha bolsa

Sinto os cadernos que anotavam as giras na minha estante 

Nada disso está lá de fato, mas sinto uma presença constante 

Uma força me acompanha, não ando só, minha vó me acompanha



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